Paisagem Altar

Mapear a paisagem com o corpo – Imprimir a paisagem no corpo

Realidade Submersas, um projecto artístico em torno das gravuras rupestres da Barroca.

Num processo de descoberta do lugar, encontrámos nas margens do rio Zêzere espaços que nos pediram para lá permanecermos mais um pouco. Estabelecemos relações inesperadas com formas, materiais, cheiros, texturas da terra. A Natureza fala connosco e diz-nos coisas com o seu corpo imensamente infinito, entra para dentro do nosso corpo rapidamente, sem nos apercebermos.

As formas do lugar tomam conta do nosso imaginário, tal como pensamos que aconteceu com aqueles que gravaram os animais na rocha, agora submersa, há muitos anos atrás.

Durante as caminhadas encontrámos motivos de surpresa, narrativas escondidas pela natureza, segredos da história do Homem, formas que geram o encontro com o corpo: musgos apetitosos ao toque, cascas de tronco de pinho que envolvem o nosso tronco humano, água corrente do rio, violenta e simultaneamente serena, pedaços de xisto que se abrem como páginas de um livro e se transformam em riscadores de maravilhosas cores para a escrita e para o desenho, o som do mar de uma queda de água ao longe.

Sentir o lugar sabendo que é sagrado, sacralizado há muito pelos nossos antepassados que nele escolheram desenhar, eternizando um gesto poético.

Através do desenho, fotografia e experiências de contemplação e composição na paisagem, reflectimos individualmente sobre aquelas gravuras na Barroca e os seus segredos. Muitas perguntas surgiram.

Ao confessarmos os pensamentos uma à outra, encontrámos o desejo comum de transformar o espaço envolvente às gravuras num lugar de Paisagem Altar recuperando, noutro gesto poético, a magia outrora celebrada nas margens do rio.

Propomos um altar disperso que esconde, absorve e revela tesouros, amuletos, objectos ritualistas do presente e do futuro, criados por nós.

Cada objecto criado será fundido na paisagem numa cerimónia performativa. A localização de cada objecto será mapeada em grafismos desenhados num pano e ficará guardado no acervo do Museu Arqueológico do Fundão.

Elsa Gonçalves e Mariana Fernandes
Maio de 2019