EPI-CALI-GRAFIAS

 

SANTA APOLÓNIA – LINHA BEIRA INTERIOR- FUNDÃO

Fundão. Afundado entre montanhas. A Serra da Estrela a Norte como pano de fundo. A Sul, a Serra da Gardunha abriga a zona velha da cidade.
Cidade pacata, recôndita tanto pela sua geografia como pelas gentes que nela habitam. Conhecida hoje pelas cerejas. Poucas comi.

 

SERRA DA GARDUNHA – (antiga SERRA DO OCAIA)

Muitas teorias em torno da toponímia da Serra da Gardunha, supostamente assim apelidada pelos mouros, cujo significado é “refúgio”. Dentro da mesma linha de pensamento, e que melhor favorece a minha investigação, é que Gardunha vem de “Guardunha” da junção das palavras Guarda e Idanha – sendo, segundo esta teoria, a Guarda da Idanha o local onde a população da Egitânia (Suevos e Visigodos e outros não identificados) se refugiava dos invasão Moura a partir de 711, o que não invalida a palavra atribuída aos mesmos: o nome dado para identificar a serra onde se refugiavam as populações locais das invasões sarracenas.

 

PONTE HISTÓRICA

O Museu de Arqueologia local com os seus achados de memórias inanimadas revela algumas culturas que povoaram a região juntamente com os seus costumes enquadrados pela geografia, História dos estudiosos e estórias que se podem inventar em torno. Mas a distância temporal entre as histórias criadas a partir do jogo de relações geográficas e os artefactos per se pouco nos dizem acerca dos hábitos e costumes de povos de outrora –  viviam por aqui e ali, comiam, bebiam, alguns adornavam-se, utilizavam este e aquele material utilitário mediante a necessidades básicas alimentícias e sociais, mas pouco mais se pode supor destes. O que permite uma melhor aproximação a estes povos do antigamente, ainda que no campo da suposição mas aqui mais certeira, são as epígrafias: todo e qualquer registo epigráfico torna o enquadramento social, cultural, político e mesmo económico mais tangível aos olhos de hoje. A religião com as suas odes a deuses e placas fúnebres, as leis, sinalização de terras ou demarcação de territórios, monumentos públicos e a própria moeda com as suas inscrições permitem uma leitura mais abrangente, enquadrada e contextualizada de quem habitou um local.

 

EPÍGRAFIA

Do grego ἐπιγραφή,  “inscrição”, os estudos epigráficos incidem sobre todas as inscrições antigas em suportes rígidos (pedra, cerâmica, ossos, etc.) sejam elas símbolos ou escrita e com os mais variados propósitos, alguns enunciados na Ponte Histórica.

Sempre associei a epigrafia a mistério. Uma visita escolar a Idanha-a-Velha no início dos anos 90 – quando ainda estava a aprender a ler e escrever – foi o meu primeiro contacto “sério” com esta matéria. No misto entre a minha ignorância e curiosidade infantil, lembro-me de pensar que a escassa população local na altura (penso que 63, 3 dos quais crianças) seria descendente directa da autoria daquelas inscrições e que guardavam com elas mistérios da terra. Isso presumia uma distância temporal muito mais curta, mas não tinha essa noção nessa altura. O confronto com aquela realidade recôndita marcou a minha infância. (Note-se que era um “menino da cidade” que passava os dias na Lisboa “nova” da altura – Telheiras – e que pouco ou nenhum contacto tinha tido com o interior do país).

Relativamente às epigrafias e ao seu mistério, desde esta altura já me questionava:

Que mensagem é que se queria eternizada para os povos vindouros? e Quem seriam os autores das inscrições?

 

UTERE FELIX

O encontro de um adorno romano – um amuleto com as inscrições “Utere Felix”, raro em território nacional e único na região, demarca a passagem e influência da antiguidade Romana pela Beira Interior.

 

PERTENÇA A UM LUGAR – IDENTIDADE CULTURAL – LIMITAÇÃO TERRITORIAL – FRONTEIRAS

Uma notícia de um jornal regional sobre o acolhimento de refugiados oriundos dos mais diversos cantos do Norte de África espoletou a minha curiosidade aliada ao início da investigação. Outrora, vários povos sediaram-se na região pelas mais variadas razões, começando nas básicas de sobrevivência mas também pelas políticas imperiais de expansão territorial. Esta notícia revelou que povos oriundos de culturas completamente diferentes foram acolhidos depois de resgatados do Mar Mediterrâneo e que muitos já estariam a trabalhar nos negócios locais.  A boa fé  e vontade perante o fluxo  migratório em massa do continente africano para o europeu –  juntamente com medidas sociais e políticas europeias (UE) face a esta questão –  juntou no Seminário do Fundão dezenas de pessoas oriundas dos mais variados cantos da Eritreia, do Sudão, Nigéria, entre outros países cujos costumes e tradições se diferem bastante dos nossos.

O que achava que seria um processo “normal” de aculturação pelo contacto com a população “nativa”, ou que já habita o local (algo que vai acontecendo pontualmente, com alguns destes indivíduos), senti, depois de vários encontros com estes, que na maior parte dos casos encontram-se em pleno estado de anomia. É um processo “normal”, não só pelo percurso individual e as razões que motivaram a migração deste grupo em específico, mas é algo bastante comum no processo de adaptação e confronto de normas culturais próprias distintas das do seio onde vão viver. Portanto, a barreira não é apenas cultural e burocrática: para além dos processos de legalização e procura de meios de sobrevivência, há todas as outras barreiras.
A que mais me interessa é a linguística. A comunicação é essencial no processo de aculturação. Entre o tradutor do google, expressões faciais  e gesticulação, conheci pessoas e as suas histórias e percursos de vida incríveis. Mas não só no Seminário. Acabei por conhecer também outros estrangeiros que pelas mais variadas razões habitam no Concelho – desde permacultores a jovens e pessoas mais velhas reformadas à procura de melhor qualidade de vida.

Para melhor perceber esta questão fui tentar perceber no seio da população o que achavam em relação aos estrangeiros na localidade. Resumidamente, o problema deste lugar, do Fundão, é semelhante a todo e qualquer lugar e acentuado ou destacado fora das metrópoles: desconfiança sobre as intenções dos imigrantes (não necessariamente ou estritamente negativa) mas é alimentado o receio que estes venham retirar oportunidades de trabalho aos locais, há problemas na comunicação por barreira linguística, estranheza em relação ao comportamento ou hábitos e costumes que são “estranhos” ou se diferem dos locais. A religião é outro factor importante. Sempre foi, dos romanos aos mouros até à cristandade lusitana. A formação de fronteiras, para além dos mais variados interesses políticos e económicos, teve como grande base a religião, que une ou separa povos – como ainda hoje se vê, por exemplo, no conflito israelo-palestino. Mas, no mundo ocidental, o conflito e a politica do medo associados à questão dos refugiados foi essencialmente nutrida pelas acções do auto-proclamado Estado Islâmico e os seus extremismos como “ataques terroristas”. Estes actos vieram, pela generalização, denegrir a imagem dos povos oriundos do médio oriente. As políticas de direita, ou todas as nacionalistas, aproveitaram para alimentar assim o islamofobismo e outras tendências anti-muçulmanas.

No caso português – país de emigrantes cuja língua tem como base o latim mas também uma forte presença do árabe – a educação nacionalista no que toca à História não contribui para nos apercebermos do quão não portugueses somos para além do fado, clima, gastronomia, formação da língua e território. De resto, portugal, como qualquer outro país, é estrangeiro, é mundo.

 

Fronteiras
Identidade cultural
Partilha de território
Fenómeno de globalização
Aculturação
Herança árabe e romana na lusitânia

 

Ignorando agora fronteiras, religões e culturas, o título de uma obra de Gauguin coloca uma boa questão existencialista:

De Onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?